Crônica - A série
Parte 5: “O Perseguidor”
Por MarcioCP
Ato 1 – BSOP, São Paulo
Mas,
“disputaria” não explica com exatidão a minha criação. A opção de ser um
bom vencedor ou ser um gentleman como perdedor, nunca foi prerrogativa
da minha família.
Eu era o menor de uma família de oito crianças, 7
homens e uma pobre moça dominada pelo fervor masculino dos anos de
repressão na década de 70.
Ser e aceitar feliz uma derrota, não eram
opções aceitas por meu pai, meu avô e meus tios, que me criaram para ser
um vencedor, acima de tudo, acima de todos... Acima do certo e do
errado, um vencedor!
Lembro que minha doce mãe, submissa aos
caprichos de meu imponente e dominador pai, tentara salvar-me de ser
como ele e como os outros varões da família.
Amava-a, mas em nenhum
momento de minha infância e adolescência eu deixei de respeitar e ser o
homem que meu pai criou.
E hoje, aqui na entrada do Holiday Inn, prestes
e iniciar mais um, entre tantos já vividos por mim, momento de
exaltação de todo esse aprendizado, instintivamente eu coçava minha
costeleta já totalmente grisalha e via o sorriso de meu pai,
regozijando-se por eu chegar onde cheguei, sem me abalar por quem tive
que pisar, quem tive que destruir. “O homem forte faz o que tem que
fazer, e o homem fraco se submete e o aceita”.
Era a voz de meu pai
ecoando em minha mente, forte, arrogante, me enchendo de orgulho. Pobre
mamãe! Eu, o único que ela tentara salvar, me transformara, para seu
total desgosto, no pior de todos.
Olhei em volta do salão. Aquele
pensamento ecológico imperante no hotel me divertia, enquanto aquelas
pessoas maravilhadas e politicamente corretas do século 21, exaltavam a
idealização do hotel com seus salões ecológicos. Salão Jequitibá, Foyer,
Ipê Branco, Salão Juazeiro...
Mas para mim, a única ecologia
estava nas “verdinhas”, como diziam os americanos. Estava ali para
ganhar, para humilhar se possível, para satisfazer meu ego.
Já no
contra senso, o evento se arrastava, e estávamos próximos do momento
ITM.
O torneio poderia ter sido o melhor início para o meu ano, porém,
estava contrariado com aquele rapaz novo, de capuz e franja loira caída
sobre a testa, que não parava de olhar fixamente nos meus olhos o tempo
todo, mascando um maldito chiclete atrás do outro.
Nunca o havia visto
nos torneios. Ele insistia em jogar absolutamente todas as mãos em que
eu entrava e, quando estava no mano a mano comigo, se tornava
extremamente agressivo.
Mas, ele não poderia me parar. Aquele era o meu
torneio, meu início de temporada. Já na bolha do In The Money, eu usava
meus conhecimentos dos adversários para aplicar steels e colocar minha
stack mais tranquila para tentar a Final Table.
Claro, não podia
desperdiçar as oportunidades, ainda mais a de tirar aquele fedelho
irritante da mesa, por isso, o que mais quero é que ele venha com sua
agressividade agora, com meu KK em mãos, mostrarei a ele com quem ele
está lidando!
Sim! Faça um reraise, isso mesmo! Me mostre como você é capaz de me dar espontaneamente toda sua stack!
Sim!
K♥, A♦ e um 6♣! Aposte! Isso! Acalmarei ele, uma
3bet light! O imbecil me voltou uma 4bet!!!! Que seja!
Um 8♠ no turn! Venha! Aposte! Sim, isso, recue... Não! Não vai fugir!
Meu
river! Um mero 2♦! Venha! Eu lhe imploro! Lhe mostrarei que não
pode sentar por horas e horas nesta mesa e ficar me encarando e me
tentando!
Isso! Aposte! É tudo que eu quero! E tome meu Allin! Pague!
Pague! Seja a bolha! Porque eu não serei!!! Tenho trinca de reis!
NÃO! Ele tem Ases!!!
Ato 2 – LAPT - 2ª Etapa, Viña del Mar
“La
Ciudad Jardin”, um recanto da Terra que sempre me fez bem. Tive
aventuras, vitórias e diversão.
Jamais me esquecerei o ano que venci a
todos. Foi o ano que conheci aquela linda atriz italiana e seu marido
idiota, durante o Festival de la Canción. Ela me levou por todos os
lugares, me mostrou todas as belezas desse balneário. Me levou ao Morro
de la Campana e, depois dali, ela jura eternamente que o bastardinho que ela procriou é meu. Exceto, claro, para o idiota do marido. Bons tempos.
Sai
da piscina para a mesa de poker, no primeiro dia, revigorado, pensando
que, ali, onde tantas coisas boas me haviam acontecido, eu me
recuperaria da frustração aguda que aquele moleque havia me trazido no
BSOP e, depois, ainda, quando o havia encontrado na etapa anterior do
LAPT.
Agora, por 2 horas ele estava sentado ao meu lado,
impassível, focado única e simplesmente na missão de não me deixar
jogar. Por 3 vezes ele já havia me forçado a correr em potes altos.
Há
movimentação. Em alguns minutos, haverá remanejamento. Essa mesa está
prestes a se dissolver. Preciso sair de perto dele mas, antes, preciso
ganhar uma mão dele. Mostrar que ele não me intimida.
Um A♣ e um T♠. Ele saiu com um raise. É hora de encurralar ele e
ganhar um pote bom antes de mudarmos de mesa. Mas preciso ter cuidado.
3-bet. Ele levantou levemente a cabeça. Call.
8♣, T♦, 3♣. Ele brincou com as fichas por um longo tempo. Check.
Hora de apertar e tirar o pote dele. Calculei uns 35% do pote, quero um call dele, no turn, pressionarei. Ele suspirou. Call.
A♦. Agora, eu tinha 2 pares. Mas, duas cabeças de draw abertas, é
um grande perigo.
É hora de não ter medo, é hora de apertar. Fazer ele
correr, levar esse pote, me recuperar e ir para outra mesa. Duas vezes
ele me fez correr com draws na mesa.
Esperei ver ele tentar de novo.
Mas, preciso fazer ele largar esse draw. Ele, dessa vez, tomou a ação e
apostou a metade do pote. Ele quer que eu largue. Não, você larga.
3-bet!
Ele virou o rosto e me encarou. Voltou a olhar para suas fichas
por um tempo. Suspirou, tirou o capuz, virou novamente o rosto e me
encarou. Vi ódio em seu olhar. Call.
2♣. Uma carta neutra. Ele olhou, puxou de volta o capuz, botou um novo chiclete na boca e anunciou check. Peguei ele!
Olhei
minha stack, olhei o pote. E poderia dar check e irmos ao showdown e
ele veria meus dois pares. Mas, não. Agressivo, preciso me impor na
frente desse miserável fedelho. O pote está grande. Não tenho como
cobri-lo. Só me resta...
Allin!
Ele parou de mascar, tirou
o capuz, olhou em meus olhos com o mesmo fogo de ódio. Então, sorriu e,
call, colocando um par de 8 a minha frente sobre a mesa.
Cambaleei
desconcertado para a saída do hotel. Quem e por quê?
Minha próxima
parada programada, o WSOP. Será que ele estará lá?
De repente, a
possibilidade me aterrorizou.
Ato 3 – WSOP – Evento 60, Limit Hold’em, $1,500 - Las Vegas
Desolado,
cheguei dias antes em Las Vegas. Por tradição, eu me enfiava num
cassino e me divertia com jogos e mulheres até o Main Event. Mas, dessa
vez, eu havia chegado escondido e passara todo o tempo em minha suíte.
Olhando para o teto. Por um tempo, precisava acalmar meu espírito.
Nos dois dias seguintes, rodei por todos os
lugares de Vegas e nem sinal do fedelho.
Sentei-me em mais um
evento e, finalmente, recomecei meu melhor poker. Entrei no In The
Money, mas logo estava entediado e, com erros bobos, cai antes da Final
Table.
Pelo menos, havia recuperado algo de minha confiança e, até de minha
arrogância, a qual meu pai jamais me perdoaria se eu abandonasse.
Sentei
na mesa, em minha mente, jogaria mais este evento e, então, estaria
pronto para o Main Event, e, desta vez — por três vezes, nos últimos 8
anos, havia passado por um triz de conseguir —, eu cravaria minha
presença no November Nine. Realizaria o objetivo que persigo há tantos
anos e que, já havia decidido, seria agora ou nunca.
Minha última vez.
Passei os últimos 10 meses me preparando e, salvo minha pendenga com
aquele maldito fedelho encapuçado, eu estava no melhor do meu jogo.
Este
torneio de mil e quinhentos dólares é o aquecimento perfeito. Não foi
difícil avançar até aqui. O In The Money é só questão de minutos.
Algumas jogadas para fortalecer a stack e tudo ficará bem. Bons
jogadores, mas nenhum realmente me preocupa.
Sinto-me bem. Essa sensação me abandonou por meses. Sinto-me vencedor.
Levantei
a cabeça e meus olhos bateram com os dele. Meu pescoço travou, um
calafrio percorreu minha espinha. Lá estava aquele olhar de ódio. O
fedelho! Sentado a minha frente.
Um minuto depois, ele começou a mascar
seu chiclete, puxou seu capuz, se curvou sobre a mesa e começou a me
destruir.
Olhei meu par de damas. O ITM estava próximo. Dois ou 3
jogadores. Mas, as últimas mãos, tinham sido ingratas e, como sempre, o
fedelho não permitia que eu jogasse, forçando minha stack a se
consumir. Me enchi de coragem e tentei enfrenta-lo por 2 vezes. Ambas,
fui fatiado de forma decisiva. Agora, pouco me restava e um overpair
poderia ser minha salvação.
Abri no Hijack. O CutOff, um jogador
relativamente fraco, achou que poderia me fatiar levando o pote com um
reraise. Na SmallBlind, o fedelho, me encarando fixamente, fez call.
4bet! Restou pouco, mas, preciso do pote. O CutOff fez fold. O fedelho, ainda fixo em mim, empurrou... Allin!
Tremi! Novamente! Por que?
Olhei minha stack. Restava pouco mais de 4 ou 5 BigBlinds. Congelei.
Eu caíra para ele todas as vezes. Todas as vezes! Preferia cair para as blinds. Suspirei, fold!
Após
alguns minutos, como bolha, levantei-me desconcertado da mesa, ainda
mais vendo minhas fichas irem para a mesa sem sequer cobrirem a
BigBlind. Andei pelo hotel. Conheci os cantos escuros que jamais
imaginei que um lugar tão luxuoso pudesse ter. Me esgueirei. Aguardei
minha presa.
Irritado! Cheio de ódio e perguntas, avancei sobre o fedelho no momento em que ele dobrou o corredor! Joguei-o contra a parede!
— Por quê? Você todas as vezes! Por quê?
Ele
sorriu e me olhou nos olhos. Nunca, jamais, senti alguém ir tão fundo
nos meus olhos como se quisesse alcançar minha alma. Recuei e um extremo
pavor me dominou!
— E por que não, velho bastardo? Sei lá,
talvez eu tenha apenas implicado com a sua cara. Ou, talvez, eu odeie
você mais que tudo no mundo. Ou quem sabe, velho, só é muito, muito
engraçado! — E ele riu, antes de simplesmente fechar a cara numa
expressão séria, em puro ódio.
— Mas, nossa diversão está só
começando. Eu lhe juro, seu merda, ainda não terminei com você! Nossa
próxima parada, é o seu tão desejado Main Event, velho!
Como dizem nas séries americanas: “To Be Continued!” (Continua – na próxima crônica)
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