Crônica - A série
Parte 9: “Passional Poker”
“As últimas cartas foram muito ruins. Preciso aproveitar o Button agora!”, pensei, olhando
distraidamente para o lado. O dealer começou
a distribuir as cartas. Olhei em volta da mesa, todos pareciam monstros. Era
isso, ou eu havia me apequenado tanto nas últimas mãos, que já olhava o comum
como algo excepcional.
“Vejamos... Os jogadores das últimas posições, tenho boa
avaliação... Eu aplicando um raise em
UTG, provavelmente todos darão fold. Mas, se eu pegar um ao menos...”,
com esse pensamento, paguei a blind
de 120.000 fichas e aumentei para 210.000 fichas.
“Gosto de jogar com KT♣ suited, mas não em UTG+1... Esse raise, ele geralmente não aposta fora de
posição. Eu poderia fazer um reraise
e ver o que ele responderia, mas com tantas blinds
eu não preciso me arriscar numa mão marginal.
Ainda tem os jogadores do HiJack e do
Button, eles geralmente são
agressivos e tem um bom range para
isso...”, esse pensamento não demorou mais do que 3 segundos em minha mente,
empurrei minhas cartas e me levantei.
“Esse raise dele, na
primeira posição... Com esse meu overpair,
em MP1... ele pediu por uma 3bet... Mas... não sei... o range dele
em UTG é forte... Não gosto de fazer slowplay com overpair mas, também, com par de valetes...”, segui meu instinto e
dei call na aposta dele.
“Essa mesa tem sido muito ruim para mim... É fácil ficar
tight com mãos ruins... Mais um pocket ruim em MP2... mais um fold para
a coleção...”, pensei, suspirando e empurrando minhas cartas.
“As pedras estão querendo algo... O que será? Gosto de jogar
no HiJack por isso, tenho uma ótima
visão da mesa toda e, agora, com o CutOff
e o Button para falar, meu pocket
pode se tornar interessante.”, olhando minha pilha de fichas, a maior de toda a
mesa, separei o montante do raise do UTG e dei call.
“É... Realmente é muita ação para o meu pobre A5 offsuited. Eu poderia entrar de call, ou tentar um reraise para diminuir os oponentes, depois, uma cbet no flop... CO é sempre uma
posição razoável para tentar um ou dois barrels...
Não... já fiz esse move umas 3 vezes,
na última justamente o UTG que saiu
de raise me peitou e tive que fazer showdown sem nada.”, esse pensamento me
levou ao fold.
“Será que realmente me apequenei tanto? Finalmente um pocket
interessante e no Button... Mas, um raise e dois callers, é mau sinal.”, mais
uma vez, olhei meu pocket, o dealer me fitava, olhei em volta, todos estavam
congelados, ou não percebiam minha exitação, ou fingiam não perceber. Eu estava
prestes a entrar em tilt em cadeia nacional. Olhei as câmeras, me lembrei de
uma passagem em Faroeste Caboclo” do Legião Urbana: E olhou pro sorveteiro/E pras câmeras e a gente da Tv filmava tudo ali.
Não, não me lembrei nessa hora de quando eu era uma criança, mas me lembrei das
vezes que estava em apuros e o destino havia mostrado caminhos melhores a
seguir. “É hora de tentar!”, tomando essa decisão, separei minhas fichas e
aumentei para 325.000 fichas.
“Pô cara! 9♦ e 3♥... Jogar com isso na SmallBlind é foda...”, pensei olhando
meu pocket. Imediatamente movi a
cartas em sinal de fold.
“Ás e Rei... a mesa parece ter escolhido essa hora para
abrir agressividade de todo lado. Raise,
dois callers e uma 3bet... Eu com um AK offsuited na BigBlind... Muito bem... Se eu tivesse um overpair agora eu daria allin.
Não... AK suited... sim, suited... offsuitd não...”, movi minhas cartas em fold, recoloquei meus óculos escuros e
me recostei para assistir de camarote aquela mão.
“Não esperava que ele desse uma 3bet. Tudo bem, ele provavelmente tem uma mão forte, ele tem
recebido mãos fracas direto e nas vezes que tentou jogar não teve sorte. Pode
ser que esteja blefando...”, separando fichas, resolvi pagar a 3bet do Button.
“É, essa mão não é pro meu par de valetes...”, pensando
isso, movi minhas cartas e desisti da mão, reclinei-me sobre a mesa queria ver
o flop.
“Ficou perigoso... acho que vou só assistir... afinal, não
tenho que me arriscar com um par de 9, mesmo no HiJack.”, empurrei minhas cartas e me levantei.
“Ah, essa vidinha de dealer...
embaralhar, puxar ficha, separar cartas, puxar fichas... embaralhar... Tomar
conta dessa cambada de jogadores... contar fichas... Assistir a emoção deles...
os prêmios... As jogadas idiotas na frente dos bons jogadores... Donks, loosers... idiotas... bons jogadores... Já vi todos! Mesma merda! O
que minha esposa estará fazendo? Será que está com o imbecil do irmão dela? Ou
está de papinho com aquele jogador idiota?”, olhando o BigBlind, meu pensamento voltou ao jogo, separei uma carta,
joguei-a de lado, puxei três cartas e espalhei-as pela mesa, virando o flop. Um 9♠, um 2♦ e
um 3♣.
“Flop seco...
vamos ver o que o Button acha
dele...”, suspirei e empurrei 465.000 fichas, naquele pote de 1.460.000 fichas.
“O UTG tem algo...
o pote está enorme, não tenho mais volta. Ele daria um check nesse grande pote se não tivesse uma boa mão. Quão boa
será?”, empurrei a quantidade necessária de fichas e vi o pote crescer
assustadoramente.
“Ele pagou, lá vamos nós separar mais uma carta, e outra pro
turn... Minha esposa... Lá no fundo
do salão... O que ela está fazendo? Bebendo... Vadia! Não consigo ver com que
ela está!”, joguei um A♠ no turn.
“Ás no turn... o
que será que o Button tem?”, olhando
para aquele Ás, toquei os dedos na mesa em check.
“Pressão... ele acertou esse Ás... Esse check dele! Só pode significar uma armadilha... Se eu apostar, ele
virá com reraise ou até allin...”, acusei check na mesa, seguindo o UTG.
“Aquela vadia! Está rindo! Bebendo com alguém... Quem é?!
Não consigo ver... O que ela está fazendo? Onde ela vai?”, o toque do Button em check na mesa me tirou do transe, separei mais uma carta e, em
seguida, espalhei o river na mesa. Um
2♣.
“Assim está bom... o Button
não pegou minha deixa no turn, então,
é hora de mostrar a que vim!”, com esse pensamento, anunciei allin.
“Eu sabia! O UTG
foi allin... Ele tem o Ás... Ou até
dois... Pois bem...”, com esse pensamento, me recostei na cadeira, anunciei o call e fiquei à espera do dealer contar minhas fichas.
“Lá vou eu... contar as fichas desse idiota! Ela voltou...
Está lá, sorrindo, bebendo... Não sei com quem!”, separei os montantes de
fichas e devolvi ao UTG as restantes.
“Ora vejam... o UTG tinha um par de
Ases, fez Full house...”, o que será
que tinha o Button?
Levantei-me meio que tremendo, olhei para o Full House
de As com 2 do UTG, “Eu tinha razão,
ele tinha o As, e mais, par de Ases num Full
House... Vamos ver sua cara de
surpresa então...”, estiquei minha mão, vagarosamente virei um par de 2,
formando uma quadra. Ouvi alguns risos, alguns aplausos, e percebi o UTG balançando afirmativamente a cabeça
num sorriso forçado. Ele jamais esperaria que logo eu tivesse uma mão tão
simples.
De repente, em meio a tudo isso, escutou-se um estouro alto.
Todos pararam e olharam atônitos para todos os lados a
procura do lugar de onde vinha aquele som inconfundível. De repente, abriu-se
uma passagem pela multidão, um corredor por onde se podia ver, claramente.
Nosso Dealer,
ninguém havia percebido, havia se levantado após o showdown e, agora, estava num canto do salão. Todas as câmeras
estavam fixas nele, que, com expressão atônita segurava uma arma, ainda
fumegante. No chão, a seus pés, uma bela morena, num jeans, com camiseta
branca, estava caída de lado, com parte de seu ombro apoiada na parede. De seu
peito, um fio vermelho de sangue criava um caminho pela camiseta até o chão.
Nosso dealer,
totalmente trêmulo, olhou de lado, ainda com a arma na mão...
— Foi ela! A culpa é dela! Ela pediu por isso! Me enganando
com aquele jogador idiota! A culpa é dela!
Largou a arma, caiu de joelhos ainda tremendo dos pés à
cabeça e, juntando as mãos cobriu o rosto desatando a chorar. As câmeras, todas
apontadas para ele, se aproximaram em close-up.
Em cadeia nacional, selaram o destino daquele pokerista passional.
Fim!
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