quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Poker vira Trabalho muito Bem-Remunerado

O empresário Rodrigo Moreira dedica parte do dia ao pôquer, e quer passar à dedicação integral - Guilherme Leporace

Pôquer vira trabalho muito bem-remunerado
e principal fonte de renda para moradores da Barra


Médico e engenheiro estão entre os profissionais
que trocaram 
as carreiras pelo jogo de cartas


POR ADALBERTO NETO


RIO - O Instituto Neymar Jr. recebeu uma grana preta de um torneio de pôquer promovido pelo craque da seleção no fim do mês passado, em São Paulo. O campeão da disputa, além do prêmio em dinheiro, foi agraciado com uma viagem para a Espanha, com direito a acompanhar um dia de treino do jogador no Barcelona. O jogo, que também é praticado por outros grandes nomes do esporte, como Ronaldo Fenômeno, Maurren Maggi e Petkovic, virou uma promessa de dias melhores na vida do empresário Rodrigo Moreira. Após cumprir expediente em sua corretora de seguros das 8h30m às 14h, ele corre para casa, onde brinca de ganhar dinheiro profissionalmente pela internet.

— Conheci o pôquer há cinco anos, como lazer. De 2013 para cá, comecei a jogar sério. Há três meses, fui convidado para integrar uma equipe. Temos horário a cumprir, aulas de aprimoramento e reuniões, tudo on-line. Tem gente de todo o Brasil no time — conta o empresário, que recebeu a equipe do GLOBO-Barra enquanto disputava seis jogos simultaneamente. — Recebo US$ 150 para gastar por dia. Trabalho de domingo a sexta, da hora que chego em casa até as 22h.
O empresário Rodrigo Moreira dedica parte do dia ao pôquer, e quer passar à dedicação integral - Guilherme Leporace

Contratado por um ano pelo Leo Bello Poker Team, Moreira pretende fazer do pôquer a sua principal fonte de renda. Mas, se esse projeto não der certo, ele garante que não abandonará o jogo.

— Quero alcançar um patamar em que não precise trabalhar todo dia na corretora. Mas, se o meu desempenho não for bom e se eu não alcançar os resultados esperados, volto a jogar de maneira recreativa — revela ele, que precisou negociar com a mulher horários para dar atenção à família. — No começo, ela reclamou, alegando que já estava virando um vício. Aí, conversamos, estipulamos horários para ficarmos juntos e tudo se assentou.

Nas disputas on-line, o jogo é interrompido por cinco minutos a cada uma hora. É esse o tempo que os participantes têm para ir ao banheiro, comer alguma coisa e, no caso de Moreira, dar um beijo nos filhos.

— Tenho um menino, de 9 anos, e um casal de gêmeos, de 5. O mais velho adora o jogo. Sempre que pode, ele se senta ao meu lado e fica caladinho, observando. Como é normal eu perder, muitas vezes já estou liberado às 18h, e fico com a noite toda livre para brincar com eles três. Mas também tem dias em que avanço nos torneios com um desempenho tão bom que ultrapasso as 23h. Não posso negar que é um projeto que requer muito esforço meu e da minha família. Mas, quando os resultados chegam, a recompensa é boa para todo mundo — conclui Moreira.

No Leo Bello Team, cada participante pode embolsar de 25% a 50% do que ganhar nos jogos, de acordo com o número de vitórias. Quanto mais se ganha, melhor é o repasse em dinheiro.

— Na equipe, já houve uns jogadores demitidos por baixo rendimento. Como já disse, perder faz parte do jogo — diz Moreira.

O Empresário conheceu o pôquer, quando foi fazer um mestrado em imunologia na Alemanha - Agência O Globo / Guilherme Leporace

A equipe foi criada pelo médico Leo Bello, de 39 anos, morador da Barra que deixou a profissão para se dedicar ao jogo e se tornou um dos responsáveis por sua popularização no país.

— Conheci o pôquer em 2003, quando estava fazendo uma pós-gradução em Imunologia em Stuttgart, na Alemanha. Para aprimorar o idioma, uma professora me recomendou assistir à televisão. Por causa de um anúncio sobre uma competição, entrei para a coisa. Com o dinheiro que ganhava, viajei por toda a Europa — lembra.

No ano seguinte, de volta ao país, Bello insistiu na medicina e foi fazer mestrado, também na área de imunologia, na Unicamp. Para se enturmar na cidade paulista, o carioca usou o pôquer como estratégia.

— Por meio do Orkut, descobri um torneio lá, em Campinas, que, em seguida, levamos para a capital, São Caetano e Indaiatuba. Ele cresceu e virou o Campeonato Paulista de Poker, do qual eu era um dos organizadores. Logo depois, criamos o Campeonato Braileiro de Poker, que já está em seu décimo ano, e foi vendido no ano passado para um grupo estrangeiro por US$ 16 milhões. Com o dinheiro que recebi, comprei o meu apartamento. O que começou como um torneio de fundo de quintal, entre amigos, virou uma empresa milionária — destaca ele, que hoje é casado e tem um filho.

A medicina, enfim, ficou para trás, e Bello virou sumidade nacional do pôquer. Ele chegou a ter uma agência de viagens, que levava participantes para torneios pelo mundo, e hoje dá palestras, cursos e tem cinco livros, nos quais discorre sobre a arte que há por trás do jogo de cartas.

— O primeiro que lancei, o “Aprendendo a jogar poker”, vendeu mais de cem mil exemplares. Depois, vieram outros três com mais técnicas e macetes e, finalmente, o “Dando as cartas nos negócios”, em que traço um paralelo das técnicas do jogo com marketing pessoal, resiliência, análise de riscos e administração financeira. É um livro para ser lido por qualquer pessoa que queira empreender — afirma.

Além do time, que conta com 20 jogadores, ainda fazem parte do império de Bello um site com videoaulas de pôquer e um aplicativo de notícias sobre o universo do jogo.

É À NOITE QUE O JOGO BOMBA

Muitos jogadores da região frequentam casas como a River Texas e o Coringa Poker Club. O engenheiro eletricista Rafael Rocha, de 34 anos, prefere jogar em casa. Toda noite, por volta das 22h, ele vai se deitar junto com a mulher. Mas, depois que ela adormece, levanta-se e passa a madrugada inteira de frente para o computador. Esse turno, segundo ele, é o melhor para se fazer dinheiro com o pôquer on-line.

— Jogo de quarta a sexta, das 19h às 4h, e, nos fins de semana, começo por volta das 13h e vou até a manhã do dia seguinte. Só paro mesmo para colocar a minha mulher para dormir. Às 5h, eu a acordo com o café da manhã na cama e, depois que ela sai para trabalhar, vou dormir — conta ele.

O Engenheiro elétrico dedica-se ao jogo durante a madrugada - Agência O Globo / Hudson Pontes

Rocha sempre foi um aluno aplicado. Emendou a faculdade com um mestrado em Eletrônica de Potência e foi convidado para prosseguir com sua pesquisa no doutorado. Nessa época, foi chamado pela Eletrobras para ocupar a vaga que conquistou ao fazer um concurso público, e optou pelo trabalho formal.

— Após três meses, eu saí. Além de tomar parte do tempo que eu tinha para jogar, o salário era bem inferior aos meus ganhos no pôquer. Mesmo recebendo participação de lucros e décimo terceiro, não valia a pena. Fora que, ficando em casa, evito o trânsito caótico e tenho mais tempo livre.

Com o jogo, Rocha comprou apartamento e junta dinheiro para ser sócio de um negócio. Quando era apenas espectador de torneios de pôquer pela TV, conta, não imaginava que, um dia, chegaria aos pés de Christian Kruel, um dos principais nomes na área.

Kruel, de 36 anos, já disputava partidas de gamão profissioinalmente e viajava o mundo para competir quando foi apresentado ao pôquer por amigos. Após assistir ao filme “Cartas na mesa”, em que o personagem de Matt Damon se dá mal no jogo, decidiu seguir a mesma trajetória, mas dando a ela um final feliz.

Christian Kruel é um dos pioneiros nos torneios online - Agência O Globo / Hudson Pontes

Com os altos ganhos na jogatina, Kruel deixou o gamão, largou a faculdade de Economia no 7º período e virou referência no pôquer. Já foi até comentarista de torneios na TV.

— Levei uns oito meses para ter algum rendimento. Mas, depois, consegui uma grana desproporcional ao que ganham as pessoas da minha idade. Há 13 anos, quando comecei, fui um dos primeiros a disputar partidas on-line — relata Kruel, que montou um curso pelo Skype em que ensina as técnicas que aprendeu ao longo dos anos e orienta novatos nas disputas, mediante comissão. — É importante ter orientação, porque está cada vez mais difícil vencer. Tem muita gente boa.

JOGO DE AZAR?

De acordo com o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (DL 3.688/41), jogo de azar é aquele em que “o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte". O pôquer, entenderam os legisladores, não se enquadra nessa definição, porque exige determinadas habilidades. Segundo o advogado Sandro Pinheiro de Albuquerque, cabe ao bom jogador a elaboração rápida de um cenário de probabilidades relacionando as cartas e o número de pessoas que competem, além da avaliação sobre as desistências e talento para dissimular a própria situação, o famoso blefe.

Em 26 de janeiro deste ano, o Ministério dos Esportes reconheceu o pôquer como esporte intelectual. No Brasil não há legislação específica sobre impostos ligados ao jogo. O que se faz é declarar os rendimentos, citando o CNPJ da fonte pagadora. Quando não se tem essa informação, o que é comum, deve-se preencher o valor recebido no campo “outros rendimentos" e especificar sua procedência. Em outros países, o contribuinte pode descontar dos impostos que deve pagar os prejuízos que teve no jogo.



Fonte: O Globo

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