sábado, 26 de outubro de 2019

Jogadas Enfeitadas


Síndrome das Jogadas Enfeitadas




Em uma sessão recente fiz o que podem ser consideradas Jogadas Enfeitadas. Paguei apostas no turn e no river com Ás maior. Fiz floats no flop com par menor e aumentei no turn como blefe, transformei uma trinca em um blefe no river, apliquei uma 4-bet em alguém com um 5 na minha mão e estava preparado para dar uma 6-bet caso meu oponente aumentasse.


Jogadas Enfeitadas não são um truque de mágica

Embora eu tenha conseguido o que queria em quase todos esses spots, essas jogadas não foram resultado de nenhuma “leitura mágica” dos oponentes. Eu não estava em tilt naquela noite e nem estava sofrendo da Síndrome das Jogadas Enfeitadas. Na verdade, todas essas jogadas fazem parte do que eu chamo de Poker ABC, que é a forma como jogo quando não tenho uma leitura decente da mão do meu oponente ou do que ele fará com ela.

É do senso comum que um grande blefe ou um um call digno de um herói grego requer leitura ou outras justificativas especiais, como por exemplo ter uma certa imagem na mesa. Porém, a teoria do jogo sugere o contrário. Vamos começar com um exemplo que mostra como eu, de forma não intencional, explorei um desequilíbrio no jogo de um oponente.

A mão começou com meu oponente dando limp de uma posição intermediária. Eu aumentei para $80 com AQ no botão, o straddle (jogador à esquerda do Big Blind, chamado aqui no Brasil de “escuro”) e o limper pagaram.

O flop veio J44 rainbow e todos deram check. Não vi motivo forte para apostar. Mãos melhores não irão desistir, mãos piores não vão pagar e JJ e outros pares baixos poderiam facilmente estar no range dos adversários.

É verdade que um check entrega aos adversários o meu próprio range. Isto é, estou anunciando para meus oponentes que minha mão não é forte o suficiente para apostar. Isso pode fazer com que alguém aposte no turn, o que pode ser um desconforto para alguns jogadores. Porém, não consigo distinguir se essa aposta será um blefe ou por valor.

Não tem problema em às vezes se colocar em situações onde você não tem certeza de onde está. Mais especificamente, é preferível o check a fazer uma aposta ruim no flop. Pelo menos você terá, no turn, a chance de tomar a decisão certa.

O turn trouxe um 6 e colocou um flush draw na mesa. O straddle deu check e o limper apostou $150 num pote de $250. Eu paguei, não porque sabia que ele estava blefando, mas porque sabia que ele tinha incentivo para fazer isso. Isto é, eu sabia que ele poderia chegar à essa decisão de blefar tendo muitas mãos mais fracas que a minha, e essas mãos adorariam ganhar o pote com uma aposta, caso fosse possível.

Além disso, essas jogadas não precisariam fazer efeito tão frequentemente para serem lucrativas, já que ele arriscou apenas 60% do que iria ganhar. Eu tinha uma mão que batia todo o potencial range de blefe dos meus oponentes e que também tinha outs no baralho para ir contra muitas mãos medianas e boas, então paguei.

É verdade que muitos jogadores nunca blefarão aqui, se você souber que está contra um jogador desses apenas desista da mão. O que parece preocupar muitas pessoas é que elas não sabem se estão jogando justamente contra esse tipo de adversário ou não. “E se”, elas se perguntam, “meu oponente nunca blefa, e eu pagar para pegá-lo no blefe? Não estarei sendo explorado?”

A resposta é não, e a razão é que você nem sempre terá uma mão tão forte como AQ em situações assim. Às vezes você terá uma mão mais fraca que jogaria fora frente à uma aposta, mas, já que seu oponente nunca blefa, você vê mais uma carta e vai para o showdown de graça, ou mesmo tenta fazer um blefe seu. A estratégia de nunca blefar desse jogador acidentalmente o faz economizar algum dinheiro quando você tiver AQ, mas o faz perder com outras partes do seu range.

Outra coisa que você precisa se preocupar é com a situação oposta, um oponente que blefa demais. Você facilmente encontrará jogadores assim, e quando o fizer, não perderá apenas os $150 (menos sua equidade no pote), mas $400 (menos a equidade do vilão no pote) ao desistir. Já que esse último erro custa muito mais, tenha como prioridade evita-lo se estiver em dúvida de como prosseguir.


Eu paguei, o straddle desistiu e o river trouxe outro 6. Meu oponente apostou $350 e eu paguei novamente.

A justificativa para esse call é a mesma que valeu para o turn: meu oponente poderia facilmente estar blefando, estou pagando barato (nesse spot preciso ganhar apenas 1/3 das vezes para ficar breakeven) e eu raramente terei, nessa situação, uma mão mais forte que a minha. Meu oponente mostrou K9o e eu levei o pote.

Vendo a mão que meu oponente mostrou, uma de duas coisas tem que ser verdade: ou ele blefa demais ou está escolhendo mal sobre quem aplicar blefes. Ele deveria blefar às vezes, já que em algumas situações ele terá mãos tão fracas que, mesmo que eu não desista de mãos com Ás maior, desistirei de outras mãos tão frequentemente que tornará a jogada lucrativa para ele. Porém, K9 não é uma mão dessas. Eu raramente ou quase nunca irei desistir de uma mão mais forte que K9, então essa não é uma situação boa para blefar com essa mão.

Essa jogada não é uma peculiaridade do meu jogo ou do meu estilo único de jogar poker, é apenas um bom poker. Ao enfrentar uma aposta é correto desistir com suas mãos mais fracas, mas não com as mais fortes. Consequentemente, faz sentido você blefar suas mãos fracas, já que irá se beneficiar mesmo quando seu oponente desistir com, também, mãos fracas. Mas é errado blefar com mãos médias, já que fará com que ele desista de mãos que você já estava batendo e pague com mãos que batem a sua.

De duas uma, ou meu oponente irá blefar com todas suas mãos fracas mais K9, o que significa que ele blefa muito, o que faz o call com AQ ser lucrativo, ou ele raramente blefa mas escolheu essa mão para fazê-lo em vez de uma mais fraca. No último caso, ele perde dinheiro em dois cenários diferentes: quando aposta com K9 e é pago por algo melhor e quando decide não blefar com mãos mais fracas e deixa de ganhar um pote que poderia ser ganho com um simples blefe.

Isso mostra a importância de construir seus ranges de mão e suas jogadas da forma certa, além de como um range balanceado pode ser lucrativo contra um oponente que não presta atenção no próprio range. Foi meu oponente que tentou fazer uma jogada enfeitada blefando com o tipo errado de mão, e ele pagou por isso.

Artigo traduzido e adaptado do original: Fancy Play Syndrome





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