quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O Boom do Poker no Brasil


Não é Sorte: o Boom do Poker no Brasil




POR MIGUEL CABALLERO


Por qualquer ângulo que se olhe, os números são superlativos: de 25 de novembro a 3 de dezembro, nos salões do hotel Sheraton, em São Paulo, mais de quatro mil jogadores estarão disputando a última etapa do Brasil Series of Poker (BSOP), o campeonato brasileiro da modalidade, um evento que prevê arrecadar quase R$ 29 milhões e distribuir R$ 24, 8 milhões em prêmios aos vencedores de seus 32 torneios.

Em sua décima edição, o circuito BSOP deve fechar 2015 com R$ 44 milhões em prêmios ao longo de suas sete etapas. Será, de longe, a competição esportiva com maior premiação no país — como comparação, o Brasileirão distribuiu, em 2014, R$ 30 milhões aos clubes melhores colocados (a CBF não revelou o montante deste ano).

Nos últimos anos, o pôquer no Brasil vem acumulando vitórias na Justiça na sua luta pelo reconhecimento como esporte e cresce exponencialmente em número de praticantes e valor de mercado. O objetivo agora é dar o passo adiante: conseguir a regulação do setor em forma de lei no Congresso.


Esporte de Habilidade

Jogo de cartas mais popular do mundo, praticado há séculos (a versão de que é originado de um jogo persa, adaptado por europeus, é a mais aceita), o pôquer vive um boom mundial nos últimos 20 anos, desde que a modalidade Texas Hold’em, criada nos EUA, virou febre mundial em torneios pela internet e ao vivo. No Brasil, o crescimento é exponencial a cada ano em número de praticantes e valor de mercado, ignorando a crise econômica.

Reconhecida pelo Ministério do Esporte em 2012 e filiada à Associação Internacional de Espotes da Mente (ISMA, em inglês, órgão que reúne modalidades como xadrez, gamão e bridge, entre outros), a Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH) considera vencida, apesar do preconceito ainda existente, a batalha do reconhecimento do pôquer como esporte, e quer dar o passo adiante: a entidade busca apoio, junto ao governo federal, para dar início, no Congresso, à formulação de uma legislação que represente um marco regulatório do pôquer no país.

— A regulamentação é fundamental, vai nos possibilitar gerar mais empregos, permitirá que quem trabalha com o esporte se organize coletivamente, em associações, eventualmente sindicatos, vai gerar mais impostos — elenca Igor Trafane, o “Federal”, um paulista de São João da Boa Vista, de 43 anos, que deixou a sociedade de uma rede de cursos de idioma para se dedicar ao pôquer e hoje preside a CBTH. — Nossa luta é para regulamentar, porque legal já é. Proibidos são os jogos de azar. O pôquer é um esporte de habilidade.



Clique na Imagem para ver em Tamanho Natural


A regra é clara, e está descrita no decreto-lei 3.688, baixado pela ditadura Vargas em 3 de outubro de 1941. A chamada Lei das Contravenções Penais proíbe a exploração e a prática dos jogos de azar e define: "Consideram-se jogos de azar aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte". A comunidade do pôquer usa estatísticas de resultados de milhares de campeonatos para mostrar que o fator aleatório (a distribuição das cartas) é apenas uma das variáveis que determinam o ganhador de cada mão. A frieza e a coragem para o blefe, a capacidade de ler os adversários, a paciência, o conhecimento de matemática e probabilidade são algumas das habilidades importantes no pôquer.

O maior estudo já feito sobre a influência da sorte no pôquer (veja infográfico) - feito pela Citigan, uma empresa americana de softwares - estimou em 12% a interferência dos fatores aleatórios a longo prazo.

— Há um entendimento legal, de decisões de Tribunais de Justiça de vários estados do país, de que não é um jogo de azar. A questão nunca chegou a tribunais superiores em Brasília, como o STJ ou o STF — explica Pedro Fida, advogado especializado em direito esportivo.

Segundo a CBTH, há cerca de quatro milhões de praticantes do pôquer no Brasil (o cálculo parte do total de contas brasileiras ativas em sites de pôquer online). A maioria é de amadores (jogam com regularidade) ou recreativos (esporádicos). Já são, porém, mais de 50 mil os profissionais (que vivem exclusivamente do pôquer) ou semiprofissionais (com renda mista entre o esporte e outra atividade).

Os torneios de pôquer funcionam como os de tênis: paga-se um valor de inscrição para disputar a competição, e ao final recebe-se um prêmio pela colocação alcançada. Todos começam o jogo com o mesmo número de fichas, que não têm correspondência com valor em dinheiro. No BSOP, que reúne a elite do esporte no país, os valores de inscrição em cada torneio variam de R$ 250 a R$ 10.000. Mas em jogos caseiros ou na internet, onde estão a grande maioria dos praticantes, pode-se jogar torneios com inscrição de US$ 1.



Batalha em Brasília e Entrave no Rio


Há duas semanas, em resposta a solicitação da CBTH, o Ministério do Esporte (ME) comprometeu-se a criar um grupo de estudos sobre as leis que regulamentam o pôquer em outros países. A confederação encarou o compromisso como uma vitória, o primeiro passo para a futura criação de uma legislação para o setor no Congresso. O mais provável, porém, é que o apoio do ministério por ora não prospere muito.

No rearranjo político do ministério no início do segundo governo Dilma, a pasta do Esporte foi dada ao PRB, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O ministro George Hilton nomeou Carlos Geraldo Santana, ex-presidente da rede Record no Rio e do PRB em Pernambuco, o novo secretário nacional de Alto Rendimento.

Apoiar um jogo de cartas é um tema delicado para as bases eleitorais de políticos ligados à IURD. Carlos Geraldo não quis dar entrevista ao GLOBO sobre o assunto. Em nota, o Ministério do Esporte declarou apenas que dois servidores foram designados para estudar sobre o caso, "sem prazo para conclusão dos estudos". A nota diz ainda que "não há compromisso do ME em articular qualquer iniciativa de regulamentação".

Se no Congresso o caminho da regulamentação ainda tem de ser todo percorrido, na Justiça o pôquer brasileiro é quase invicto. Nos últimos anos, a CBTH vem obtendo decisões favoráveis sempre que a atividade é questionada. Tribunais de Justiça de estados como SP, MG, RS, SC e MT, entre outros, já decidiram que o esporte não se enquadra como jogo de azar.

A única exceção, por ora, é o Rio de Janeiro. Em 2010, um torneio disputado num clube da Barra foi fechado com a chegada da polícia, e os participantes foram indiciados pela prática de jogo de azar. Depois de condenação no Juizado Especial, o caso tramita atualmente na Câmara Criminal do TJ-RJ, e está em suspenso após pedido de vista de um dos desembargadores. Até uma decisão, para evitar a insegurança jurídica, a CBTH decidiu não promover etapas do BSOP no Rio.



Os Craques Brasileiros


Nos últimos anos, grandes empresas do pôquer, como o site PokerStars, têm investido em atletas de outras modalidades como garotos-propaganda, casos de Ronaldo Fenômeno e Neymar no Brasil. O Texas Hold’em é popularíssimo entre esportistas. Os ex-tenistas Boris Becker e Yevgeny Kafelnikov viraram profissionais após se aposentarem. Michael Phelps, Rafael Nadal e vários pilotos de Fórmula-1 o praticam por hobby.

Gualter Salles

Entre os brasileiros, o ex-piloto Gualter Salles e o ex-atacante Paulo Rink são figurinhas fáceis em torneios de pôquer em várias cidades do país e no exterior, além de jogarem regularmente na internet. O piloto de stock car Thiago Camilo, outro assíduo praticante, costuma dizer que conheceu "duas grandes adrenalinas" no esporte: os segundos que antecedem a largada na stock car e os anteriores à resposta do adversário, no pôquer, quando ele tenta passar um blefe.

Mas os grandes astros são os profissionais do pôquer. O paulista André Akkari, de 41 anos, é considerado o principal jogador brasileiro. Em 2011, ele foi campeão de um dos eventos da World Series of Poker (WSOP), "a Copa do Mundo do pôquer", que acontece uma vez por ano em Las Vegas. A cada edição, são cerca de 50 torneios. Além de Akkari, o curitibano Alexandre Gomes, em 2008, e o paulista Thiago "Decano" Nishijima, em 2015, são os outros dois brasileiros que ostentam um bracelete de campeão da WSOP no currículo.

Em torneios online, a maior premiação já conquistada por um brasileiro é de Yuri "theNerdguy" Martins. Ao ser vice-campeão do WCOOP (World Championship of Online Poker), ele embolsou, em apenas um torneio, a quantia de US$ 708.251,21.


André Akkari



Nenhum comentário:

Postar um comentário