domingo, 3 de abril de 2016

Diferenças entre os Torneios Live e Online



Anatomia Humana Aplicada ao Poker

( brincadeira com meu amigo Luiz Maia )


Por Fabio Eiji


Uma brincadeira com um amigo que joga majoritariamente torneios e cash games live (imagem acima confeccionada toscamente no paint) me motivou a escrever esse post.


Esse meu amigo, chamado Luiz Maia e do qual já falei em outros posts - recentemente foi um dos bolhas da FT do BSOP Sampa, caindo quase ao mesmo tempo que o Thiago Napoleão, outro grande amigo e jogador da turma - tem vasta experiência em eventos live. Ele joga torneios e cash games caros há muito tempo e sempre foi vencedor em ambas as modalidades.

Eu, por outro lado, tenho uma formação majoritariamente online, apesar de freqüentar relativamente bastante os eventos ao vivo.

Nesses eventos, não tenho costume de levar em consideração falas, atitudes, comportamentos ou posturas para decidir se devo dar call ou não naquele river. Já o Maia nunca deixa de observar essas coisas. Como não confio na minha "leitura de tells", tendo a restringir minha observação a fatores como tamanho de apostas, histórico e perfil do oponentes e textura de bordo.

Pois a beleza disso tudo é que o Maia não ignora essas coisas, que são muito importantes, mas ele confia tanto em sua própria experiência que muitas vezes elas ficam em segundo plano.

Conseqüentemente, temos visões (algumas vezes bastante) diferentes sobre algumas mãos, situações e estratégias.

O jogo não muda. Os conceitos matemáticos e os aspectos lógicos são os mesmos. Porém, devido a particularidades de cada um, questões estratégicas têm que ser (re)consideradas.

Apontarei abaixo algumas diferenças entre o jogo live e online e os principais ajustes que devemos fazer. O leitor e a leitora (que provavelmente tem uma mínima experiência em ambos os jogos) deve sentir-se a vontade para ajudar a completar a lista.


1) Valores e tempo investidos


Jogar live custa caro. Não pense apenas no valor do buy-in; há ainda gastos com alimentação, hospedagem, deslocamento, etc. Tomemos o BSOP em São Paulo como referência. Pra um jogador de Floripa, o BSOP não custa R$2.200,00 mas sim, no mínimo, o dobro disso. São R$600,00 de avião, R$1200,00 de hospedagem (se ficar no hotel do evento), R$500 a R$1000,00 de alimentação e por aí vai (e eu nem vou entrar no mérito da questão do imposto). Todo esse dinheiro é morto, ou seja, não vai para a premiação e não volta mesmo que seu ROI (retorno sobre o investimento) esperado seja positivo. Se chegar à reta final do torneio, terá investido 3 ou 4 dias jogando o mesmo torneio, de 12h a 16h por dia.

Já no poker online, esse valor pode ser diluído em vários torneios, com premiações menos atrativas, mas com mais possibilidades de sucesso. E não há gastos extras, excetuando-se o rake. 

Isso tudo leva os jogadores a valorizarem muito mais uma reta final de um evento ao vivo do que de um torneio regular online.


2) Qualidade do field


Os torneios mais caros do poker online (entre US$100 e RS$500) têm fields duríssimos, com alguns dos melhores jogadores do mundo se enfrentando diariamente. A proporção entre amadores/aventureiros/satelitados X regulares/profissionais é muito menor que nos eventos ao vivo, principalmente se comparado à realidade do Brasil.

Aqui, num torneio caro como o BSOP, a grande maioria dos jogadores não é profissional e compõe um field em certa medida fraco (apesar de, na minha opinião, ter melhorado muito nos últimos 2 anos). Encontramos de tudo em um BSOP: desde o "satelitado" que não tem grana pra se hospedar até os melhores jogadores do país.

Além disso, o poker online evoluí muito mais rápido que o poker live e algumas tendências mais agressivas, que são padrões no online, podem acabar sendo spew (do inglês vomitar, ou seja, ser tão agressivo ao ponto de entregar as fichas, vomitá-las) no live, justamente porque os oponentes estão em um outro nível de agressividade.



3) Os "tells"


Há quem pense que no poker online não há tells. Ledo engano! Há muitas informações que os oponentes (principalmente os mais fracos) dão gratuitamente. Os principais deles dizem respeito ao tamanho das apostas e o tempo que leva pra agir.

A grosso modo, quando um oponente dá um call muito rápido, ele não tem a parte mais forte do range, como trincas, overpairs etc. Ele geralmente tem um draw ou uma mão de força mediana. O mesmo com relação às apostas. Quando chega no river e seu oponente aposta perto de 1/3 do pote, ele provavelmente está tentando uma thin value bet, ou seja, ele tem um valor fraco, suficiente pra extrair de algumas poucas mãos, mas longe de ser nuts - e, geralmente, também não é blefe. Logo, deve-se pensar mais em raise que call.

Estes são apenas alguns exemplos. Quanto mais conhecemos nosso adversário no online, mais informações temos sobre suas tells e mais podemos explorá-las.

No Live, essas dicas também funcionam, mas jogadores mais experientes conseguem perceber outros tipos de comportamento. Por exemplo, um jogador que treme demais, ao contrário do que algumas pessoas pensam, tende a estar muito forte na mão. Quando o pote está muito grande, o jogador que está blefando quase sempre deixa uma pista. A respiração muda, alguns ficam vermelhos, etc.

Com essas informações em mãos, a análise dos ranges muda. Numa situação hipotética: se antes de perceber um tell o range dele poderia ter blefe, agora ele evidenciou que só tem valor. O desafio, então, é pensar quais mãos nosso oponente considera valor nesse spot.



Vamos a um exemplo:

Mesa cheia, 9 jogadores. Herói está no BB com 27bbs. UTG (40bbs) é um jogador bom e sólido e o BTN (20bbs) é um jogador tight e inexperiente.

UTG abre miniraise. Mesa roda em fold até o BTN, que pára e pensa em torno de 1 minuto e anuncia call. Herói no BB olha AQo e squeeza, 7bbs. UTG folda e o BTN anuncia all-in. Herói paga.

Com a minha formação advinda do poker online, onde o jogo é mais agressivo e tenho menos informações a disposição, considerei a jogada bem padrão. O squeeze funciona bem porque 1) AQo não é uma mão tão forte pra jogar fora de posição e contra 2 jogadores; 2) podemos induzir o BTN a shovar mãos fracas achando que estamos "roubando". Por isso, estimo que o range do BTN seja algo em torno de: 66+,ATs+,AJo+, KQo+,KJs+ e contra esse range temos ~48% de equidade, precisando de ~30% pra ser break even. Easy call!

Agora, na visão de um jogador mais experiente em torneios live, o tempo que o jogadorno BTN levou para dar call indicava que ele estava indeciso entre o flat e a 3bet. Se o jogador considerou a 3bet e acabou pagando, podemos excluir os blefes do range. Sobra apenas o range de valor. E, para o meu amigo especialista em live, ele tinha apenas "trap", ou seja, QQ+ e AK. Contra esse range, teríamos ~25% de equidade, o que torna nosso call errado.

Eu ainda consideraria ampliar o range para TT+,AQs+,AKo, o que nos daria ~31% de equidade, tornando a decisão close. E, nesse momento, aplicamos uma mudança estratégica com relação aos torneios online: por se tratar de um field mais fácil, por termos investido muito tempo, entre outras coisas, há que se optar pelo fold em toda decisão que se mostrar close, já que o edge (vantagem sobre os outros jogadores) do Herói é tão grande que faz com que seja um desperdício agarrar uma vantagem matemática tão pequena.

Deu pra sacar?

Se eu não me fiz entender muito bem, deixa um comentário com sua dúvida.

Por hoje é isso! Abraços!







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