terça-feira, 24 de setembro de 2013

Estudantes Ganham a Vida com o Poker


Estudantes deixam universidades para se profissionalizarem no jogo de cartas.
Alguns já acumulam mais de US$ 2 bi em premiações


Por Pedro Rocha Franco - Site Estado de Minas
 


O sonho da família de João Simão era vê-lo seguir os passos do avô, pai e irmãos, tornando-se um engenheiro de renome. Aos 18 anos, a aprovação na UFMG era a certeza de que a trilha seria repetida. No sexto período, no entanto, para surpresa de todos, o universitário decidiu trancar a matrícula e, na avaliação da mãe, apostar em uma desventura juvenil: as mesas de pôquer. “Absurdo!”, diria ela e tantas outras mães em situação parecida, que, de uns tempos para cá, têm visto os filhos trocarem carreiras convencionais pela profissionalização no jogo de cartas. Ma só três anos passados – e milhares de dólares acumulados em premiações – o filho pôde mostrar a quem duvidou que a decisão não era em vão, tendo salário superior ao de executivos de renome.

Em busca de sucesso financeiro semelhante ao conquistado por jogadores como João Simão e um estilo de vida badalado, envolto a casinos em hotéis cinco estrelas em paraísos dos quatro cantos do mundo, jovens estudantes de medicina, engenharia, ciências da computação e tantos outros cursos universitários apostam as fichas numa mudança drástica nos rumos profissionais. Em vez de ocupar posições de destaque em grandes empresas, o objetivo deles é conseguir ocupar a mesa final de campeonato internacional em Las Vegas.

Conhecido entre os jogadores pelo apelido IneedMassari – eu preciso de dinheiro, tradução mesclada do inglês e do libanês –, desde que deixou a faculdade, João dedica entre 40 e 50 horas semanais aos torneios de pôquer na internet. Outras 15 horas ele usa para estudar desde as jogadas de adversários até gráficos de resultados, além de ter acompanhamento psicológico para, segundo ele, “manter os pés no chão”. É preciso. Tamanha dedicação lhe rendeu mais de US$ 2 milhões em premiações, além da possibilidade de ter viajado para Uruguai, Bahamas, Panamá, Chile, Argentina, Paraguai, Itália, Suíça, Espanha, França, República Tcheca, Marrocos, Estados Unidos, entre outros países, para disputar torneios presenciais. Aos 24 anos, o jogador tem três imóveis próprios (dois em BH e um em Florianópolis) adquiridos com o que ganha.

Filipe Bohmerwald abriu duas empresas no ramo ótico depois de ganhar mais de R$ 160 mil em torneios presenciais e jogos on-line

“Com 24 anos, lidar com valores altos é complicado. É preciso não deixar a confiança virar prepotência”, diz.
Apontado pelos jogadores – e resultados – como um dos principais nomes do pôquer no país, João hoje consegue ter fontes de renda que extrapolam o que ganha nas mesas online e presenciais. Estudioso do esporte, ele montou um curso para formar profissionais. Ao custo de R$ 4 mil, os aprendizes aprendem técnicas avançadas. Os melhores são contratados para jogar exclusivamente para João. Os “cavalos” (jargão usado para identificar os profissionais que jogam para outros jogadores) recebem dinheiro para pagar as inscrições nos torneios online e repassam um percentual do lucro para o chefe.

A parceria permite a ele aumentar o retorno financeiro sem ter que jogar por períodos longos demais. “Somando meus ganhos entre ao vivo e online, curso e time, minha renda anual é maior que a da grande maioria dos executivos de multinacionais”, afirma João. Mas alerta: “O meus salário depende do meu suor. Se em um mês eu estiver com problemas pessoais, vai atrapalhar diretamente minha renda. Não dá para chegar de ressaca no trabalho”, afirma, que faz planejamento financeiro para casar e ter filhos.

RETORNO


Integrante da equipe de João, Felipe Lima tem histórico semelhante. Enquanto jogava sinuca na internet, foi convidado para uma sessão de pôquer. A iniciação foi nos torneios gratuitos, de brincadeira, depois da leitura de livros sobre o esporte e acumular fichas virtuais, passou para torneios de baixo valor. O êxito fez com que ele vislumbrasse a possibilidade de fazer do esporte algo mais sério. Até que a adrenalina da primeira partida presencial o fez não parar mais. Inicialmente, Felipe montou com a mãe de outro jogador uma casa de jogos, mas, como à época o Congresso ainda não tinha aprovado lei que tornou o jogo um esporte, preferiu abandonar o projeto.

A partir daí passou a ter aulas com o amigo para se tornar um jogador profissional. Os resultados deram mostra que ele era um jogador lucrativo e logo repetiu o ato de João: trancou a faculdade de relações públicas para dedicar com exclusividade à nova profissão. De lá para cá, foram mais de 50 mil torneios jogados, com lucro superior a R$ 2 milhões. No caso dele, o lucro é dividido com João, responsável por fazer todo o investimento. Ou seja, o risco de perder é zero, o que pode acontecer em meses de baixa é ficar sem ganhar ou ganhar pouco. Pelas estatísticas, o retorno dele é de 134%, além de recuperar o que é apostado, consegue 34% de lucro. “É preciso ter dedicação. O pôquer é como todo o esporte: dá a possibilidade de o mais fraco ganhar”, diz Felipe.

A lógica dos profissionais mais qualificados do esporte é que a curto prazo (mês) pode dar prejuízo, mas a longo (ano) é mais difícil. Atleticano, ele traça um paralelo entre a carreira e o possível jogo entre Bayern de Munique e Atlético no Mundial de Clubes: “Em um só jogo o Galo pode ganhar. Em 20 jogos o Bayern vai ganhar mais vezes”.

De jogo de azar a esporte  regulamentado


Desde 2010, quando a Federação Internacional dos Esportes da Mente aprovou lei que torna o pôquer esporte da mente – antes era visto como jogo de azar assim como bingo – semelhante ao xadrez, o número de jogadores explodiu. No Brasil, segundo estimativa do site Pokerstars.net e da Confederação Brasileira de Texas Hold’em, hoje entre 4 milhões e 5,5 milhões de pessoas jogam pôquer. Prova do sucesso do esporte no Brasil é que a disciplina optativa Fundamentos do Pôquer, ofertada pela primeira vez neste semestre pela Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, foi a mais procurada. Inicialmente, a instituição iria ofertar 60 vagas, mas, devido à procura, teve que matricular 130 dos mais de 200 estudantes que fizeram inscrição. No semestre que vem, a universidade deve criar novas turmas.



O ex-atacante Ronaldo é aficionado pelo jogo e gerencia a carreira do principal nome do pôquer no país, André Akkari

A demanda está diretamente ligada às possibilidades de sucesso financeiro criadas pelo jogo. Há cinco anos, o então estudante de administração de empresas Filipe Bohmerwald foi apresentado ao pôquer pelo cunhados. A leitura de livros e os ensinamentos de amigos o fizeram evoluir a um bom nível. Apesar de não dedicar exclusivamente ao esporte – era preciso conciliar com a faculdade –, o aprendizado o possibilitou a conquista de um título nacional.

O prêmio de R$ 101 mil do torneio presencial somado a outros US$ 60 mil em jogos online possibilitaram a ele a abertura de duas empresas no ramo ótico. “Sem o pôquer não teria conseguido abrir as empresas. O início (de toda empresa) é mais difícil”, afirma Filipe, que, por ter que dedicar tempo aos empreendimentos, hoje joga só três vezes por semana torneios presenciais. As competições têm nível mais fácil, segundo ele, o que lhe garante faturamento em um mês médio de R$ 2 mil a R$ 3 mil e em um bom nível chega a R$ 10 mil.

Astros na mesa


Entre os apaixonados pelas cartas estão o tenista Rafael Nadal, o nadador Michael Phelps e o ex-atacante Ronaldo. Os jogadores classificados para torneios internacionais podem se deparar com um dos ídolos internacionais nas rodadas de pôquer de hotéis cinco estrelas. Nadal e Ronaldo inclusive são patrocinados pelo site Pokerstars.net. Aficionado, o ex-jogador da Seleção Brasileira inclusive firmou contrato com o principal nome do pôquer no Brasil, André Akkari. A 9ine (empresa de comunicação voltada para o marketing esportivo) é responsável por gerenciar a carreira do paulista.

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