quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

"As pessoas, no Poker, refletem o que elas são na vida normal"


Se a gente fizer um torneio aqui, não significa que eu vou ganhar. Mas, se a gente fizer 100 torneios, coloco minha casa, minhas filhas, eu mesmo, aposto qualquer coisa que vou ganhar mais do que cada um de vocês vai ganhar.” Soa arrogante, mas esta não é a intenção e nem o tom de André Akkari. Aos 39 anos e com um mundial no currículo, ele usa este exemplo para reforçar a imagem do pôquer enquanto esporte – e como esporte, vencer requer habilidades – e não como um jogo de azar, em que apenas a sorte acompanha os vencedores.

Na época em que entrou para o mundo de big blinds e full houses, em 2005, André, formado em Publicidade, era normal o pôquer ser confundido com jogos de azar. “O começo era trágico, diziam que era como cassino, roleta, bingo. Era muito ruim”. Ele próprio, sem nunca ter tido contato com o esporte antes, ficava na dúvida: “Vi que tinha livro [que ensina a jogar], aí você liga a televisão, passava campeonato e eram os mesmos caras nas mesas finais. Eu pensava que não era possível esses caras serem tão ‘bingueiros’, alguma lógica tem”.

“NUNCA GOSTEI DE BARALHO”

O fato de Akkari não estar familiarizado com o pôquer tem um motivo: “Nunca gostei de baralho, de sentar com os amigos e jogar cacheta, buraco”. O primeiro contato veio com uma oportunidade de trabalho. “Eu tinha montado uma empresa pequena de tecnologia com dois amigos para prestação de serviços. Um amigo nos indicou para um projeto com um site de pôquer, aí fui eu quem entrou no software de pôquer. Tinha que abrir uma conta no site, e quando você abre a conta, você recebe US$ 1 mil de mentira para jogar. Comecei a brincar e gostei.”
O início, como todo início de carreira – embora André ainda não estivesse decidido a largar tudo e virar um atleta profissional de pôquer –, não é fácil. “Primeiro que eu não falava inglês, e todo material que existia era em inglês. Em português só tinha as comunidades no Orkut, mas era muito pobre. Na época eu estava mal de grana, comprei um livro na Amazon com o cartão da minha mãe e ficava traduzindo as coisas na Internet. Eu ficava vendo as figuras, decorando. O primeiro livro era de Limit Texas Hold’em, de aposta prefixada, e eu nem tinha me ligado nisso. Li inteiro, mudou muita coisa”, conta Akkari, que jogava, na verdade, No Limit Texas Hold’em, no qual não há limite de apostas.



CENTAVOS DE DÓLAR

Quem viu o brasileiro ganhar mais de US$ 675 mil em 2011 não imagina que anos antes ele jogava online todos os dias por centavos de dólar. No horário comercial, entre 8h e 18h, André trabalhava na empresa que tinha com os dois amigos. Do momento que chegava em casa até 23h30 ele ficava com as filhas. Depois disso, seu negócio era pôquer. “Eu jogava cinco, seis, sete mesas, saía de uma, jogava outra. As mesas são curtas, duram 20 minutos. O material tosco que eu li já fazia uma diferença, já me fazia ganhar essas mesas, mas tinha outra categoria em que se pagava um centavo e ganhava 12. Nessas eu perdia.”

Empacado, o publicitário retomou os estudos, comprou outros livros e começou a fazer as contas do que seria necessário para viver do pôquer. Ele estipulou uma meta de 600 a 700 partidas por mês e logo se viu ganhando mais com o esporte do que com o trabalho, “o que não precisava de muita coisa”, já que ganhava “pouco ‘pra’ cacete”, em torno de R$ 800. Akkari afirma que precisava se dedicar mais, mas o trabalho não permitia. Após falar com os sócios e com Paula, sua esposa, ele deixou o emprego e passou a se dedicar “full time”. Os sócios, no entanto, deram uma condição. “Se der tudo errado, você volta para cá e continua. Se der certo, você cria uns projetos e coloca a gente”, lembra André.
A partir daí a rotina do brasileiro passou a ser acordar cedo e estudar o dia inteiro. “Tinha dia que nem jogava, ficava estudando.” Em três meses, ele diz que seus ganhos passaram de R$ 1.500 (mais os R$ 800 do antigo emprego) para R$ 4,5 mil, R$ 5 mil. Sua primeira grande vitória foi “cravar”, como ele se refere às vitórias, um torneio na Internet com mais de 20 mil pessoas e ganhar um prêmio de US$ 5 mil. “Fiquei surtado. Passaram alguns dias, joguei outro e cravei de novo, consegui fazer um caixa para jogar torneios de nível mais alto, mas eu ficava nessa de subir ou não porque se eu subisse ia tomar porrada. Comecei a procurar o pôquer ao vivo.”

“OS CARAS ME SACANEAVAM, ME DAVAM MOUSE”

O sucesso de Akkari no pôquer online não se refletiu imediatamente no ao vivo. Após várias etapas e “não ganhar de jeito nenhum”, ele lembra que passou a ser alvo de brincadeiras. “Os caras me sacaneavam. Eu chegava na mesa, eles me davam um mouse, diziam que eu só ganhava na Internet e precisava disso.” Mas foram esses mesmos “caras” que o convenceram a ir para Las Vegas.

“Queriam que eu fosse de qualquer jeito, me encheram. Fiz um mapa para jogar torneios de até 40 dólares, os mais baratos de Las Vegas e os mais caros da minha vida. No primeiro dia eu fiquei em 6° [lugar] e ganhei US$ 480. No dia seguinte tinha um torneio de aniversário do Doyle Bronson, lenda do pôquer. Custava US$ 435, os caras queriam que eu jogasse, falei que não ia. Até ligaram para a Paula. No final, fui lá, joguei e ganhei.” O prêmio de US$ 22 mil, dividido entre os amigos da viagem, não serviu para mudar a vida, mas mudou sua percepção e o fez tomar a decisão: “Eu vou viver dessa porra”.
De volta ao Brasil, André cravou um torneio paulista que dava vaga para o Latin American Poker Championship, em Punta del Leste, e cravou novamente, agora em solo uruguaio. Com o dinheiro do prêmio, ele quitou seu apartamento. “Na época, minha mãe me ajudava a pagar as parcelas, eu tinha um grupo de samba, pegava o dinheiro do samba. Liguei para a minha mãe, gritando, chorando, falei que o apartamento estava pago. Ela comentou que agora tínhamos uma folga de uns três meses. Falei que não, que acabou, ‘GG’ (good game), já era. Aí a velha quase empacotou”, se diverte Akkari.


O MOMENTO DA EXPLOSÃO

“2007 foi o momento da explosão. O torneio no Uruguai me deu exposição para o PokerStars (maior site de pôquer online do mundo) me procurar. Eles vieram ao Brasil e queriam alguém casado, com filhos, queriam atrelar a imagem do esporte a pessoas normais. Fui convidado para fazer parte do PokerStars Team Pro, comecei a conviver com caras infinitamente com mais conhecimento que eu, muito melhor que aprender em livros. Eu ainda não falava inglês, mas como alguns falavam espanhol, eu entendia.”

Desde que passou a jogar com o símbolo do site na camisa, Akkari passou por torneios na Inglaterra, Argentina, Bahamas, Mônaco, Espanha e Uruguai. Em 2011, em Las Vegas, ele conquistou o bracelete de ouro da World Series of Poker, se tornando o segundo brasileiro a conseguir o feito – o primeiro foi Alexandre Gomes.

DE JOGADOR A PROFESSOR E EMPRESÁRIO

Além dos compromissos mundo afora, atividade que ocupa até cinco meses no ano, André é um dos professores convidados da disciplina “Fundamentos do Pôquer”, do curso de Ciência do Esporte da Unicamp, em Campinas. Com menos de um ano, a aula é uma das mais procuradas pelos alunos da Faculdade de Ciências Aplicadas e se viu obrigada a aumentar o número de vagas, de 60 para 130 devido à procura. “Vou uma vez por semestre, mais para falar de dúvidas gerais, do lado dos negócios, do quanto você sabe analisar o risco na sua vida, tomar decisões. O mais legal é a molecada. A gente não vê o tempo passar, eu chego lá e vejo uns moleques do tamanho da minha filha”, diz.

Por conta do tempo limitado com os estudantes, Akkari diz que não tem como apresentar tudo que sabe. Em seu centro de treinamento em Cabreúva – o QG Akkari Team –, no interior de São Paulo, o cenário é outro. Uma vez por mês, ele e mais dois jogadores profissionais ministram um curso intensivo de três dias – sempre aos finais de semana – para mais de 30 pessoas. Cada um paga R$ 3.500 pelo pacote que inclui transporte, hospedagem, alimentação e aulas teóricas e práticas. O teste final, sempre aos domingos, é “prova de fogo”. “A gente joga pôquer com todo mundo assistindo. Ali nós vemos se o que ensinamos na sexta-feira e no sábado está sendo colocado em prática”, explica.
Os melhores de cada curso são observados de perto por André e a equipe de instrutores. Os melhores dos melhores formam um time de dez pessoas. “A taxa de sucesso desses dez é de 60%. Tem cara que não sabia nada, saiu de lá há um ano e meio e hoje joga PCA (PokerStars Caribbean Adventure), que cobra US$ 10 mil de entrada.” Como investidores dos atletas, Akkari e seu time ficam com um percentual do que eles ganham nos torneios. Se você está interessado em virar profissional, ele informa que o curso está lotado até abril.



A EVOLUÇÃO DO ESPORTE NO BRASIL

Apesar do pôquer ter sido reconhecido pela Federação Internacional dos Esportes da Mente (IMSA), em 2010, “encerrando uma briga burocrática”, na avaliação de André, o ápice da modalidade no País aconteceu no final do ano passado, com o discurso de Aldo Rebelo, ministro do Esporte, na abertura da Brazilian Series of Poker Millions, em São Paulo. A contratação do ex-jogador Ronaldo como embaixador do site PokerStars foi outro capítulo que ajudou a “legalizar” a imagem do pôquer, diz Akkari.

É a empresa do ex-jogador, aliás, que administra a carreira do brasileiro. Seu primeiro contato com Ronaldo foi, obviamente, em uma mesa. “Por meio de amigos em comum, fui convidado para jogar na casa dele. Estavam ele, o Adriano e o Paulo André, e eu, corintiano, surtei. Eles vieram falar que sou campeão mundial de pôquer. Estão loucos. O cara meteu dois gols na final da Copa e vem falar que eu sou campeão? Na mesa não falamos de negócios, mas depois fui convidado para fazer parte do time de atletas da 9ine. É uma honra muito grande. Foi uma pedrada de reconhecimento.”

Como acontece com todo atleta, títulos e dinheiro trazem fama. André conta que costuma ser reconhecido em shoppings, ouve “olha aquele cara do pôquer” e conta uma passagem engraçada da compra de sua nova casa, em Alphaville, na Grande São Paulo, onde mora há pouco tempo.
“Eu já tinha praticamente fechado uma casa, mas o cara da imobiliária falou para eu ver uma outra, disse que eu ia gostar. Não quis porque é um saco ver uma casa mais legal que a que você está comprando. Me apaixonei, mas era mais cara do que eu poderia pagar. Eu estava ali fora, na piscina, quando conheci o dono. Ele me reconheceu, disse, sem prepotência, que já tinha muito dinheiro, não precisava de mais e que a casa era a minha. Falei que não. Ele então pediu para que eu fizesse uma proposta. Sentei com a Paula, fizemos a proposta. Fomos almoçar, entreguei a proposta, ele rasgou tudo e riu.”

SAMBA O TEMPO TODO

Ao acompanhar uma mesa pela televisão, não é difícil notar que cada jogador tem sua mania, sua superstição. Doyle Bronson tem seu chapéu de caubói, Greg Merson costuma usar camisas de beisebol. Ao ser questionado sobre quais são as suas, André responde que tentou se educar para não ficar escravo disso. Seu preparo para o jogo é ouvir samba, inclusive durante a partida, vestir roupas confortáveis e receber massagens a cada três horas. “Parece que não tem, mas tem um limite físico grande. Depois de certa idade, eu tenho certeza que não vai dar para jogar. Em 2005, eu jogava 27 mesas online ao mesmo tempo em dois monitores de 29 polegadas. Hoje em dia eu jogo 18.”

“AS PESSOAS REFLETEM O QUE SÃO NA VIDA NORMAL”

Em torneios ao vivo, o brasileiro costuma passar até 12h por dia durante quatro dias consecutivos. Some isso ao currículo com cerca de 400 competições e você terá uma quantidade considerável de horas. Um dos “patrimônios” que o pôquer dá, de acordo com Akkari, é a habilidade de ler seus adversários. “Quanto mais conhecedor do ser humano você for, mais resultados você vai ter. As pessoas, na mesa do pôquer, refletem o que elas são na vida normal. Quem é ganancioso, é ganancioso; quem é corajoso, é corajoso; quem é cagão, é cagão. Eles demonstram em fichas, no tempo que demoram para pedir mesa, para apostar. Depois de nove anos eu virei especialista. Até me policio para não ficar vendo padrões toda hora e tentar estabelecer o que vai acontecer. Faço isso com minhas filhas, com a Paula.”

CINCO LIÇÕES DO PÔQUER PARA A VIDA:

1. ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA

“A lição mais importante é que eu sempre fui muito desregulado financeiramente, maluco, de não guardar dinheiro e pensar em quanto tenho. O pôquer me ensinou a fazer uma administração de outro jeito, em fazer coisas dentro de um limite. Planejar e fazer.”

2. CONFIANÇA
“A segunda lição é até onde o ser humano pode ir. O esporte me ensinou demais em quem você pode confiar, com quem você deve zerar o tratamento, não precisa tratar mal ninguém, é deixar passar batido. Quando você fica nove horas na mesa, você observa o quanto uma pessoa é persuasiva, o quão necessário é para ela te manipular e te usar depois.”

3. RISCO
"É outro patrimônio fundamental. Todas as mãos são uma análise de risco. Você analisa se vale a pena correr esse risco, quanto custa esse risco, quanto ele vai gerar de benefício. O pôquer te ensina isso a todo momento.”

4. ABRIR MÃO
"É outra coisa básica. Não dá para ganhar na vida se não abrir mão de uma coisa. Pôquer é soltar uma ficha na mesa para pegar duas. Ganhar dinheiro é saber entregar dinheiro. As pessoas trabalham, ganham R$ 5 mil e pensam com o que vão gastar os R$ 5 mil, não onde vão investir os R$ 5 mil ou parte dele. Não existe jogador de pôquer que não tenha essa visão.”


5. PADRÃO
“Você entende o quanto a estatística é importante na vida do ser humano. Se o cara consegue uma trinca no flop (virada das três cartas comunitárias do Texas Hold’em), pede mesa e faz uma piada, ele vai fazer isso todas as vezes em que trincar no flop. E tem gente que não percebe isso.”



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